O céu é o limite

A posição de quarterback é sem dúvidas a mais importante em um time de futebol americano, e por isso, acabam sendo os jogadores mais bem pagos da equipe.
 
Os últimos contratos assinados para essa posição apresentaram valores astronômicos, culminando no maior deles até agora, do QB do Atlanta Falcons, Matt Ryan, que assinou um contrato de $150 milhões de dólares, por 5 anos.
 
A liga vem crescendo bastante, mas será que o suficiente para “bancar” salários tão altos sem prejudicar o crescimento da equipe como um todo?
 
Muito tem se falado sobre o mercado dos quarterbacks estar inflacionado, mas você sabe o quão inflacionado está? Pagar altos salários para os QBs é garantia de sucesso?
 
Depois de muito pesquisar sobre esse assunto, resolvi fazer uma análise mais aprofundada. E para responder essas questões, vamos por partes.
 
SALARY CAP
A liga trabalha com o conceito de salary cap desde 1994 (exceto em 2010*). Desde então, cada equipe teve o mesmo montante de dinheiro para gastar com seu elenco. Com o passar dos anos, esses valores são reajustados de acordo com os lucros obtidos pela liga.
 
Devido à quebra do cap em 2010, os dados utilizados para esse estudo foram os anos de 2011 a 2018. Além disso, para representar melhor a realidade, selecionei apenas os QBs titulares de cada time (ou seja, aqueles que ganham mais), já que se considerarmos todos os QBs da liga (atualmente temos 123 ativos), essa média será jogada para baixo, e não representará a realidade do mercado.
 
Com relação ao cap, utilizei o valor nominal de cada ano e não o valor ajustado, já que algumas equipes acabam não usando todo o valor em uma temporada, e o que sobra vai para o ano seguinte.
 
IMPACTO
Primeiramente vamos observar o crescimento da média salarial dos quarterbacks e do cap das equipes desde 2011:

Valores apresentados em Milhões de Dólares ($) – Fonte: Spotrac/OverTheCap
 
O cap da liga subiu, acumulado nos últimos 7 anos, 40%, enquanto isso, o salário dos QBs subiu 92.6%.
 
Só por esse dado, podemos dizer sim, que o mercado dos quarterbacks está inflacionado, já que a média dos salários dos QBs está aumentando aproximadamente 52 p.p (pontos percentuais) a mais do que o cap das equipes.
 
Fazendo um exercício rápido, podemos verificar que se o salário do QB seguisse o mesmo percentual de crescimento do cap, deveria estar em aproximadamente $11.4 milhões de dólares, porém, em 2018, o salário médio é de $16.2 milhões. Em outras palavras, dos $8.45 milhões de aumento que houve de 2011 a 2018, $4.8 milhões (quase 60%) é só inflação! Um aumento e tanto hein?
 
O impacto do salário do QB no cap da equipe, ou seja, o quanto ele representa percentualmente, aumentou de 6.4% em 2011, para 9.13% em 2018.

Valores apresentados em Milhões de Dólares ($)
 
Mas não é só o QB que está inflacionado. Veja só que interessante os dados que coletei sobre a variação salarial de todas as outras posições:

Se considerarmos o aumento natural que as posições deveriam ter tido de acordo com o reajuste anual do cap, podemos perceber que doze posições ficaram abaixo desse aumento, ou seja, sofreram deflação, sendo elas: Punter, Cornerback, Guard, Long Snapper, Full Back, Kicker, Tight End, Inside Linebacker, Running Back, Linebacker, Tackle e Safety.
 
Já outras posições cresceram acima do reajuste do cap, caracterizando inflação. Dentre essas posições estão: Quarterback, Free Safety, Right Tackle, Center, Outside Linebacker, Defensive End, Strong Safety, Wide Receiver, Defensive Tackle, Left Tackle. Mesmo algumas tendo um aumento percentual maior que o QB, o impacto dessas posições em termos de valores no cap é menor que o do quarterback.
 
Outro dado interessante que foi possível observar é sobre quem são os jogadores mais valorizados e os menos valorizados em uma equipe de futebol americano. Já ficou claro que sem dúvidas o mais valorizado é o quarterback, mas depois dele temos o seguinte top 5:

Os dados utilizados para a análise de posições, respeitam o mesmo critério utilizado para os QBs
 
Com esses números, podemos perceber que por ordem de valorização, os times preferem gastar seu dinheiro provendo armas para seus quarterbacks, pagando bem aos wide receivers, protegendo o jogo aéreo com cornerbacks, pressionando o quarterback adversário através de bons e bem remunerados defensive ends e outside linebackers, e claro, protegendo o blind side do quarterback com letf tackles. Perceba que todas as posições mais bem pagas têm ligação direta com um único jogador: o quarterback, seja do seu próprio time ou do time adversário.
 
Muito provavelmente uma das explicações para essa alta valorização está no fato do estilo de jogo ter mudado nos últimos anos, sendo muito mais aéreo que terrestre, concentrando muito mais a estratégia do ataque na inteligência e habilidade do quarterback, exigindo cada vez mais qualificação e dedicação por parte do jogador.
 
O CONCEITO DE TIME
 
O futebol americano, mais do que muitos esportes, tem o conceito de time muito forte. Já comentei em matérias anteriores e volto a repetir: de nada adianta ter um quarterback extremamente bem pago, por melhor que ele seja, e não dar recursos suficientes para que ele possa desenvolver toda a sua habilidade. Um ataque não consiste apenas de quarterback e wide receivers. Se o QB não tiver uma linha ofensiva forte, de nada adianta prover armas se ele não terá tempo de lançar bolas a esses alvos. De nada adianta ter um ataque poderosíssimo, considerando que o quarterback seja móvel o suficiente para se livrar da marcação adversária nos buracos deixados pela sua OL, mas com uma defesa fraca que cede mais de 30 pontos por jogo.
 
Quando falamos de quarterbacks, podemos ter duas definições: o quarterback truck (ou caminhão), aquele que puxa o time, que faz a diferença em campo, ou o quarterback trailer, aquele que é carregado pela equipe.
 
Quantos quarterbacks trucks temos na liga hoje? Aquele QB que consegue ganhar, mesmo sem ter grandes nomes ao seu redor, e que conseguem suprir as principais falhas da sua equipe? Na minha opinião, os principais são: Tom Brady, Aaron Rodgers, Drew Brees, Russell Wilson, Phillip Rivers e Ben Roethlisberger. Possivelmente outros poucos nomes podem entrar na lista, mas a questão que quero levantar não é essa, e sim, que são pouquíssimos quarterbacks hoje que podem ser considerados truck e conseguem fazer a diferença dentro de campo, mesmo sem um time tão estruturado a sua volta.
 
Não estou falando que os quarterbacks deveriam receber igual a outros jogadores, de fato o trabalho deles é muitas vezes maior que outras posições, já que ele é a inteligência da equipe, e tem que aliar todo o seu conhecimento estratégico com agilidade e habilidade, porém o que mais me intriga nesse cenário todo é ver que cada vez mais, quarterbacks trailer estão ganhando salários exorbitantes.
Veja a lista dos quarterbacks mais bem pagos atualmente:

Fonte: NFL Brasil
 
SALÁRIOS vs VITÓRIAS
Pagar muito aos quarterbacks é garantia de sucesso?
 
Afinal, é para isso que existe a liga, certo? Os times competem para ver quem é o melhor, quem ganhará o tão sonhado Lombardi Trophy.
Na tabela abaixo podemos ver os quarterbacks que mais impactam no cap das equipes nesse ano e estatísticas de suas carreiras: vitórias, derrotas e pass rating:

Fonte: NFL.com
 
Jimmy Garoppolo, com apenas 7 jogos completos na carreira é o jogador com maior impacto no cap das equipes esse ano. Digamos que ele tenha dado “sorte”, pois o 49ers precisava desesperadamente de um QB e tinha dinheiro em caixa (o time não utilizou US$56 milhões de cap do ano passado, que puderam ser utilizados nessa temporada). A equipe tinha U$S 233 milhões de cap para gastar com o elenco esse ano. Talvez tenha sido precipitado gastar tanto em um QB com pouquíssimos jogos na carreira, talvez não, mas certamente foi uma aposta alta. Vamos esperar pelas cenas dos próximos capítulos e ver do que o Garoppolo é capaz.
 
Matthew Stafford e Derek Carr sendo o 2º e 3º mais bem pagos respectivamente, nos mostra três coisas:
 
Eles não podem ser considerados QBs trucks, afinal, com histórico de mais derrotas que vitórias, percebe-se que não são capazes de resolver sozinhos, e precisam de jogadores de alto nível ao seu redor para conseguir vitórias.Da parte da equipe, há um mal gerenciamento do cap, uma vez que pagam tanto a QBs trailers, e não investem em jogadores capazes de ajudá-los a vencer.A supervalorização da posição de quarterback e a falta de QBs de alto nível no mercado, fazendo com que as equipes, diante da necessidade, paguem além do que tais jogadores merecem.
 
Não vou comentar sobre cada um dessa lista, mas deixo para você refletir sobre a situação dos demais quarterbacks, se a estratégia das equipes está fazendo sentido ou não.
 
A título de curiosidade, Matt Ryan (o atual mais bem pago), não está nessa lista pois nesse ano o cap hit dele é de 10%, com $17.7 milhões de dólares. Nos anos seguintes, esse valor aumenta substancialmente.
 
Seguindo na análise, não é coincidência identificar que apenas 6 times em 24 anos – desde 1994 – venceram o Super Bowl com o quarterback ocupando mais de 10% do cap:

Esse ano, temos 15 quarterbacks que ocupam mais de 10% do cap de sua equipe.
 
Vocês acham mesmo que temos 15 quarterbacks trucks na liga hoje, que merecem receber esse salário todo?
Ao meu ver, se você decide pagar 20, 30 milhões de dólares à um quarterback, ele precisa ser o melhor jogador da equipe, ou você está desperdiçando dinheiro e suas chances de construir um elenco para ajudá-lo a ganhar.
 
Mas ao que tudo indica, o céu é o limite.
 
 
 
 
*Para resumir a história, 2010 (o único ano que não teve cap desde 1994), foi o resultado de uma decisão unânime dos donos das franquias, para anular o antigo acordo, o CBA (Collective Bargaining Agreement), que era a negociação feita entre a NFLPA (Players Association) e os donos das franquias, referente a distribuição de lucros, padrões de saúde e segurança, benefícios, etc. Um novo acordo não foi feito e o ano de 2010 ficou sem salary cap. Um ano sem cap seria ótimo para aumentar salários e bônus para times com mais dinheiro, mas os proprietários das franquias acordaram em manter o cap original para manter a paridade. Quem não obedecesse a esse acordo, sofreria grandes punições. Apenas dois times não respeitaram e foram penalizados, os Cowboys e os Redskins, que gastaram 10 e 36 milhões a mais respectivamente. As equipes foram punidas na temporada de 2012 apenas.
 
Por Paula Ivoglo
@paulaivoglo

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