Provavelmente você conhece Laurent Duvernay-Tardif como um dos campeões do último Super Bowl. O que talvez seja uma novidade é que, antes de ganhar seu primeiro anel, o guard do Kansas City Chiefs se formou em medicina, se tornando o primeiro médico a jogar na NFL. Durante essa offseason, o canadense está trabalhando na linha de frente do combate à pandemia de coronavírus como médico em um centro de tratamento perto de Montreal.
Duvernay-Tardif escreveu uma carta para a revista Sports Illustrated sobre sua experiência e como ele tomou a decisão de voltar à área da saúde nesse momento de pandemia.
Foto: Instagram Laurent Duvernay-Tardif
“Três dias antes do Super Bowl LIV, um repórter perguntou o que eu pensava sobre o coronavírus. Louco, né? Naquela época, eu tinha lido um pouco e sabia que tipo de vírus era e que havia alguns milhares de casos na China. Eu contei isso ao repórter, mas acrescentei que estava tentando me concentrar no futebol e no que seria o maior jogo da minha vida. (…) Depois da vitória, estive no desfile em Kansas City… Pense em um milhão de pessoas nas ruas, empilhadas umas em cima das outras, bebendo e torcendo em temperaturas abaixo de zero… É tão louco pensar nessa época há dois meses atrás, que parece outra vida.”
Ele segue dizendo que também teve seu próprio desfile pelas ruas de Montreal, Canadá, além de aparições nos jornais e programas do país. Duvernay-Tardif é o primeiro canadense do Quebec a vencer um Super Bowl. Após duas semanas intensas no Canadá, ele e a namorada, Florence-Agathe Dubé-Moreau, saíram de férias de barco a vela pelo mar do Caribe. Para ele, a situação se tornou real durante a viagem. Verificando as notícias, os dois perceberam que precisavam voltar para o Canadá mais cedo do que o esperado. No caminho de volta para casa, ele recebeu notícias de que qualquer pessoa que voltasse ao país teria que se isolar por 14 dias. Ele embarcou no avião em um mundo e pousou em outro, cheio de medo, separação e incógnitas. Ao ver que a NBA e a NHL pararam todas as suas atividades, ele se lembrou da pergunta que o repórter havia feito antes do Super Bowl.
“A diferença entre o momento em que saí e o momento em que voltei foi tão intensa. Eu só queria fugir e depois desejei nunca ter saído. Tudo tinha parado!”
Foto: Instagram Laurent Duvernay-Tardif
Ele relembra que no voo de retorno para Montreal, algumas crianças brincavam, os adultos falavam no regresso ao trabalho no dia seguinte e ele se perguntava se era o único que sabia o que estava acontecendo no mundo. Ao comentar com essas pessoas sobre o isolamento de 14 dias, elas não acreditaram.
“Eu não os culpo… Se você não lê as notícias quando está de férias, não pensa nessas coisas.”
Após cumprir o isolamento em sua residência, o jogador começou a se perguntar como poderia ajudar a comunidade no combate ao coronavírus. Com isso, entrou em contato com o ministério da saúde e com as autoridades de saúde pública, mas descobriu que eles não sabiam o que fazer com sua situação. Isso porque Tardif não tinha licença para praticar a medicina, apesar de ter se formado.
Com o agravamento da pandemia, o ministério da saúde no Canadá começou a recrutar profissionais da saúde (estudantes de medicina e enfermagem) e ele enxergou ali a possibilidade de ajudar na linha de frente. Assim, Tardif contatou a diretoria dos Chiefs, questionando se teria algum problema em seu contrato e a resposta foi a melhor possível: a franquia estava orgulhosa dele querer ajudar exercendo sua profissão médica e que não haveria problema nenhum no seu contrato como jogador. Após um curso intensivo sobre o combate à pandemia, ele começou a trabalhar na linha de frente em 24 de abril.
Foto: Sports Illustrated
“Fiquei nervoso na noite anterior, mas era um nervosismo ‘do bem’ como antes de um jogo e deixei tudo pronto para o dia seguinte: jaleco, jaleco branco, canetas extras e até um segundo par de sapatos que eu poderia deixar no meu armário, sabendo que estavam limpos.”
No mesmo dia em que começou a trabalhar com pacientes da COVID-19, os Chiefs iniciaram o Draft e isso o fez ficar reflexivo e relembrar de quando foi draftado em 2014. Trabalhar com pacientes com coronavírus não é nada como o que ele já experimentou antes. “É incrível pensar que apenas dez semanas antes eu joguei no maior jogo do esporte”. O jogador conta que às vezes é reconhecido por seus pacientes no hospital. “Eles perguntam: ‘Você é o jogador de futebol, certo? Bro, você acabou de ganhar o Super Bowl.’ E eu respondo que agora eu só quero ajudar.”
Foto: Forbes.com
Com o diferencial de ser um profissional da saúde, Laurent faz parte do comitê de jogadores da NFL. Apesar da rotina pesada durante a pandemia global de coronavírus, ele tem participado de estudos para tentar entender quando as atividades esportivas poderão ser retomadas. O início da temporada 2020 da NFL segue marcado para ao dia 10 de setembro.
“É cedo demais para dizer quando os esportes voltarão. Ou como as coisas estarão. O que eu posso dizer é que, caso não possamos jogar em setembro, sabendo das implicações de que cada modalidade significa para o país e quanto dinheiro move nessa enorme indústria, teremos problemas maiores do que não jogar futebol americano.”
O calendário oficial da temporada de 2020 foi divulgado no dia 7 de Maio. A previsão é que o kickoff ocorra em Setembro mesmo, mas a NFL já pensa em alternativas caso o início precise ser postergado.
Texto por Giovanna Rodrigues
Revisão por Mirella S. K.